O ano de 1968 ficou marcado pelos acontecimentos políticos, culturais e nas mudanças tão significativas que o mundo sofreu. Porém, como será que ficou a imprensa da época? A Revista Realidade mostrou as diferenças entre notícias, comportamento e visão daquele ano .
Uma reportagem de Paulo Patarra sobre Luis Carlos Prestes é a principal matéria da Realidade de dezembro de 1968. Ele narra como chegou até Prestes, na madrugada de 19 de setembro de 1968 .
Patarra, diretor da revista Realidade, encontrou-se, ainda no escuro, com um homem que aparentava 35 anos de idade, emissário do líder comunista Luis Carlos Prestes, então vivendo na clandestinidade, obvio, em lugar desconhecido e, segundo o jornalista revelaria a seus leitores, com rosto também desconhecido.
A edição de capa de dezembro desse ano, que circulava às vésperas da edição do AI5, trazia um desenho do Cavaleiro da Esperança, com o título: “Este rosto não existe mais” e tinha no seu interior, 14 páginas com uma entrevista exclusiva e reveladora do homem, que naquele tempo de regime militar e forte repressão encarnava o inimigo número um do governo.
O diretor da Realidade encontrou-se com seu interlocutor na madrugada fria paulista. O homem vendou-lhe os olhos com um pano preto e conferiu se tinha cumprido o trato estabelecido de não levar relógio. Em seguida o conduziu até uma perua sem janelas no interior. O jornalista deitou-se num colchão. Uma cortina preta separava a cabine do interior da camionete. Então, descreve Patarra, seguiram viagem durante algumas horas por estradas com muitas curvas, até o carro adentrar numa garagem escura. Com a luz de uma lanterna nos olhos, para que não pudesse identificar a residência, o jornalista foi conduzido até uma sala espaçosa, a meia luz, “um cobertor grosso na janela deixava passar um resto de sol”, onde o entrevistado o aguardava. Patarra teve de ficar a uma razoável distância de Prestes, mas mesmo assim pode observar que o seu rosto não conferia com o dos retratos oficiais e oficiosos.
A matéria o descreve como um homem “sem rosto” porque havia feito plásticas e mudado de fisionomia ao longo dos quarto anos (1964-1968), e o autor da matéria não tinha certeza se era realmente Prestes, que o tornou ansioso.
O jornalista não soube precisar o roteiro, mas “não sei por que me pareceu que a estrada era a de São Paulo-Belo Horizonte”. Sentiu grande desconforto pelo longo período de escuridão forçada: “Ficar de olhos fechados durante tanto tempo é de um desconforto doloroso. Tão diferente se torna a relação entre a gente e o mundo”. Mas foi na hora de fotografar que sentiu as limitações impostas pelas circunstâncias. Foi-lhe permitido fazer fotos em P&B (”nos não temos possibilidade de revelar filme colorido”) e de perfil. O filme deveria ficar com eles para ser revelado e as fotos, mais tarde, encaminhadas pelo PCB à redação. Patarra bateu 35 fotos, mas a escuridão do ambiente comprometeu o resultado.
Em 29 de setembro recebeu um envelope anônimo com as fotos liberadas. Não aproveitou nenhuma na reportagem que seria ilustrada com fotos de arquivo e a capa com uma ilustração encomendada a um designer.
O resultado dessa reportagem que Realidade definiu “não apenas como um furo jornalístico, mas um documento importante” da história do Brasil, de fato valeu pela exposição do pensamento de uma das mais importantes personalidades da política brasileira no século XX.
A reportagem resultou num Prêmio Esso de Jornalismo para Patarra que teve acesso a Prestes por conta de sua militância no partido na década de 50. Mas, a repercussão não esteve à altura do personagem. É que quando a revista chegou às bancas a mídia discutia um outro assunto: a crise entre o Congresso e o regime militar (episódio Moreira Alves). No dia 13/12 a mídia silenciava de vez perante a exibição de força de tanques e soldados armados e a prisão de jornalistas, respaldada pelo recém sancionado ato institucional número 5.
Obs.: Seria essa a última entrevista do jornalista Patarra em Realidade; logo assumiria o cargo de diretor de novas publicações da Abril.
Fonte: Almanaque da Comunicação - por Nelson Cadena